domingo, 22 de março de 2009

Raia da Luz

Anteontem fui levar minha mãe à feira, todas quintas-feiras levo minha mãe à feira, é mais que uma obrigação, desde meus 15 anos fiz questão de dirigir a carroça. Tento mudar, mas todas as quintas eu levo minha mãe feira. E foi assim mais uma quinta-feira levando minha mãe à feira.
Excepcionalmente nesta resolvi mudar de caminho, passávamos com a carroça beirando o rio, mas desta vez resolvi pegar o caminho de cima – beirando o morro.
Minhas investidas contra o cavalo definiam grande desejo de ver aquele garanhão perdendo a vida. Odiava a idéia de ver os mesmos rostos de todos os dias e cumprimentar com um aceno de chapéu à olhares cabisbaixos, preferia cuidar dos porcos.
Desculpem pela falta de modos, ainda não me apresentei para os forasteiros, e para quem nunca me leu pelo jornal Gazeta de Pinambeiros, meu nome é Décio Pinto. Faço a contabilidade do pesqueiro da minha mãe desde que me formei em contabilidade pela Escola de Ofícios de Oeste Fundo (cidade fundada por imigrantes turcos). O pesqueiro se tornou referência em toda extensão do Vale dos Pinambeiros [conjunto de cidades do meio oeste de Santa Fé, unidas comercialmente sua população total é de 500 habitantes espalhados pelas 10 cidades do vale]. As terças-feiras desde muito tempo dou aulas de pesca para uns estrangeiros que se interessam pelo fenômeno chamado “Pequei se não Pesquei” – nome do pesqueiro. As quartas-feiras, escrevo – não sei até quando – na coluna de economia para o jornal já dito.
A revolta que me levou a esta atitude, começou quando uma tragédia envolveu minha família – somos conhecidos por nosso sobrenome – falo com vontade de chorar, as más lembranças que me traz a morte da nossa égua (a coitada saiu em disparada e acabou atropelada pela carroça de Mário, um compadre que cuidava de um ranário) foi uma desgraça pra família na época.
- Quando conheci minha esposa Raia da Luz (era assim que eu gostava de chamá-la, casamos escondidos, pois minha mãe não aceitaria) tinha 15 anos na época, foi paixão que nunca consegui revelar até meus 40 anos.
Foi num relapso contra o marasmo que seguia nossos dias, Raia da Luz resolveu dar fim a tudo que passamos juntos durante tanto tempo – fugindo para eternidade. A verdade sobre nosso caso veio à tona: minha mãe ameaçou se matar, meu pai fugiu de casa, minha irmã gêmea enfartou e foi enterrada no cemitério ao lado do terreno baldio que enterramos Monize (nome da vaca... perdão... égua da família), que vai fazer falta.
Revelo hoje estes detalhes nos auto-falantes da cidade e na freqüência 120 KHz do seu rádio. Tive que dominar com uma espingarda o locutor Edson o Cordeiro, digníssimo coordenador do coreto de Oeste Fundo.
Meu objetivo é acalmar a cidade sobre o estado de saúde da minha mãe: agradeço as inúmeras cartas recebidas de anteontem pra hoje, revelo também que fui perdoado, Dona Marta (Pinto) encerrou nossa conversa dizendo que só quebrou a bacia, dando um exemplo de caridade enfatizou que foi um terrível acidente este de quinta-feira, quando perdi o controle do cavalo e caímos no desfiladeiro próximo do rio.
O cavalo infelizmente não sobreviveu a queda, seu nome era Pronto pra Luta – peço um minuto de silêncio para este garanhão que nunca cedeu às minhas seduções.
Hoje revelo também que a causa de sua morte foi passional e responderei a todas as acusações na presença do meu advogado.
Para finalizar digo que perdi minha virilidade quando Monize saiu em disparada e foi atropelada pela carroça de Mário, ela me deixou pra trás no chão em posição fetal e de calças arriadas até os joelhos, portanto não posso responder a acusação de ter molestado Pronto pra Luta.
Agradeço ao Mário do ranário mesmo com a cabeça rachada, me socorreu no incidente que envolveu a fuga de Raia da Luz no mês passado. Graças a ele estou vivo e mantenho minha sanidade mental sob controle.
Agora envio um grande desejo de morte àqueles que me chamam hoje de “Deste o Pinto”.



Dica
Olha que legal: um bar com péssimo atendimento, acumulo de tranqueira, livros misturados com produtos de limpeza que dividem espaço com uma locadora também. Apresento a Merceraria São Pedro.
Estarei no balcão ou na mesa de frente pra ele.
Não lembro o número, mas fica na Rua Rodésia, no bairro de Vila Madalena - SP.
O pastel é servido de segunda a sexta a partir das 19hs diretamente nas mesas, pelo França, ou Rogério, ou Rodrigo, ou Darlan, ou Neto (acho que só falta o novato que não lembro o nome), os lanches e porções são preparados pelo Seu Antônio.



Ahh... to precisando de artes pra postar aqui e nos próximos posts, se alguém que ler se habilitar.


baixei um som que achei muito bom, não conhecia a banda.
(matei as caveiras. apenas coloco sons de "responsa")

Banda: Metric
Música: Help, I'M Alive
Album: Fantasies
tem no youtube... caraca ainda aprendo a colocar sem link rs.

2 comentários:

Anônimo disse...

TOTALMENTE DEMAIS!

Perfeito texto, viajei na história...

marcelo grejio cajui disse...

fala meu querido!
o cavalo morto na rua foi bem útil.