segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Agosto é o mês da gata louca



---------VACINADO ------------------ NÃO VACINADO

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Os cachorros enlouqueciam dentro dos quintais enquanto seus donos enlouquecidos escutavam da janela.
Hoje é o dia para os que moram com a família e trabalham em casa – o que é o meu caso – escutar a mãe irritada por tanto barulho que se faz na rua. O meu cachorro fica nos fundos, junto com a gata. Não viam o fuzuê da frente, portanto estavam tranqüilos.
O grande dilema do dia: “Como vamos levar a Mel (a gata) para tomar vacina?” Chamamos Mel, carinhosamente de “A exterminadora”. Ela mata tudo que voa anda ou rasteja, só não mata lesma porque não teria graça, lesmas são muito lentas.
Pois bem, não tenho aquelas caixinhas frufruzinhas de se carregar animais, e mesmo se tivesse não adiantaria, pois, no momento em que eu colocasse a mão para tirá-la, com certeza seria atacado. Pensei em uma caixa de papelão, mas o mesmo aconteceria. Foi quando o Vitor (meu irmão mais novo) entra e diz que viu mulheres levando gatos em carrinho de feira, sabe aqueles que nossas avós usavam? Boa opção, se o nosso carrinho não estivesse quebrado, foi emprestado para uma vizinha que carregou uns cinqüenta quilos em cima do coitado.
Enquanto isso minha mãe continuava gritando com o Vitor para que ele levasse o Johny (o cachorro). Este não pode ver uma rua que fica louco. Faz qualquer coisa para seu passeio diário, acredito que até mesmo tomar vacina todos os dias. Com ele não seria difícil, apenas era colocar a guia e deixar que ele que te puxasse (com bastante força). Ele passou tão rápido na escada que nem tive tempo de ver. Lá foram, Vitor e johny. Voltaram depois de alguns instantes com o cachorro soltando a língua pra fora da boca de tanto cansaço, ele é um senhor de idade.
O polêmico assunto continuou: “como levaremos a Mel?”
Perguntei pelo carrinho quebrado a resposta foi “tá no banheirinho velho; depois fecha a porta senão a gata caga lá dentro”. Entrei no banheirinho mofado e velho, que usamos de “guarda-tudo-que-não-usa”. A moda que Mel aderiu agora é cagar neste banheiro, não me pergunte porque, ela tem suas manias também.
Se eu contar uma coisa pode ser que ninguém acredite, mas sabe o que ela usou de banheiro durante muito tempo? Um ralinho redondo que fica destampado na lavanderia. É bem legal olhar quando ela esta lá agachadinha fazendo suas necessidades.
Na primeira tentativa de colocar a bichana dentro do carrinho, tivemos que corrompê-la com um pouco de ração no potinho, ela estava dando bandas por sabe-se lá onde. Eis que surgiu de cima do telhado da casa do lado (que é dos meus avós) a Mel correndo. Ouvido bom que estes gatos têm.
Ninguém de casa se encoraja em carregá-la no colo. Nem eu que sou dono pego.
Mel deve ser rebelde por causa da infância difícil que passou. Adotamos a gata no centro de zoonoses que fica na zona norte. Quem buscou foi uma ex namorada. Lembro-me quando ela chegou numa caixa de papelão com uma fita vermelha de cetim em volta do pescoço com um número de identificação no meio. Toda preta e acanhada, não queria sair do lado da Michelle (ex). Nunca havíamos tido um gato em casa. O mesmo não pode se dizer com cachorros, estes sempre tivemos os mais diversos, de vira-latas a cachorros de raça.
Imaginem a reação de todos. Ainda mais que meu avô morava (e ainda mora) ao lado da minha casa (como já dito no outro parêntese) e é passarinheiro. “menino e os passarinhos do seu vô?” “eu não quero esta gata aqui dentro de casa” “você que vai tomar conta, porque eu não quero me preocupar com gato nenhum; nem gosto de gatos”. Foi a recepção que Mel teve. Acabara de chegar de um “orfanato” e a galera pegando pesado em cima da bichinha.
Também foi difícil a adaptação entre Johny e Mel . Enquanto o cachorro bobão queria chegar perto, ela se arrepiava toda, fazendo aquele som característico de um gato nervoso. No final se entenderam e agora ela até come a ração dele de vez em quando. Fico pensando o que se passou na cabeça de Mel naquela época. Acho que quis mostrar serviço.
Estávamos com uma grave praga urbana na maior parte das regiões de São Mateus. Quase todas infestadas de ratos. Disso provavelmente ninguém ficou sabendo, nem saiu em destaque nos noticiários. Deve ter passado naquelas tiras rápidas, ou naquele cantinho que ninguém lê que é a carta do leitor. O negócio aqui tava feio. Gente em hospitais, ratos circulando livremente como animais selvagens nas savanas africanas. Uma beleza. Foi esta minha grande defesa contra os agressores que não queriam a presença da gata. Um deles era o Rogério (meu irmão do meio).
Na primeira semana ela dormiu no corredor da garagem que é fechado. Fiz uma cama bacana para o conforto da pequena e fui deitar na minha – um fato que esqueci de comentar é sobre a sua idade na época, acho que tinha em torno de quatro meses e alguns dias –. Na primeira noite ela miou incontrolavelmente. Não deixou ninguém dormir. Nem adiantou a cama bacana. O maior opositor na época dormia no mesmo quarto que eu. Logo quando o sol pôs sua cara, Rogério azucrinou só um pouco sobre este assunto (estou sendo irônico). Na outra madrugada ela intercalava momentos de miar e momentos de dormir. Foi na terceira que resolveu dar uma folga e miar só um pouco. Assim aconteceu durante os dias que Mel ficou na garagem.
Em uma semana ela foi para os fundos, junto com o Johny. Uma semana depois ela colocou a primeira oferenda no tapete de entrada, como quem diz: “vocês não queriam um rato morto? Tai o seu rato!”. Todos se calaram e a moça conquistou o seu espaço.
Do primeiro rato até hoje, não lembro a infinidade de outros que apareceram no tapete, não apareciam somente ratos, apareciam também lagartixas, baratas, beija-flores, pombas e outros animais que não conseguia identificar pelos destroços.
Acho que estas simples descrições sejam o suficiente para apresentar a exterminadora, que arranha o calcanhar da minha mãe por brincadeira. Amamos do nosso jeito. O Vitor com as brincadeiras de colocá-la na máquina de lavar e fechar a tampa (isso ele prometeu não fazer mais); o Rogério com os gritos a expulsando de dentro de casa, e meu pai aceitando tudo tranquilamente. Eu sempre libero a entrada. Sinto com freqüência uma pequena vibração na cadeira, quando olho para baixo, vejo Mel se roçando, quando não se roça se deita debaixo de mim. Não posso ficar movimentando meu calcanhar porque sei que posso tomar uma arranhada.
E pra colocar um bicho desta valentia dentro do carrinho?
Na primeira tentativa, minha mãe abriu a grade que fechava a parte debaixo, eu a peguei pelo cangote (a gata óbvio), ela ficou estática e tentei enfiar a coitada lá dentro. Ela prendeu a unha em uma das grades, com cautela tirei e conseguimos fechar o carrinho. Lembram-se que comentei sobre ele estar quebrado? Ela escapou exatamente pela parte que estava quebrada que ficava atrás. Fugiu correndo para cima do telhado. Olhando enquanto tentávamos colocar um papelão que tampasse o buraco entre as grades. Conseguimos e ludibriamos a gata novamente com o truque da ração. De novo o trabalho para colocá-la dentro.
Ela ficou pilhada na mini jaula, enfiava as patas por todas as frestas que podia, tentava colocar a cabeça nestas frestas. Como um passarinho que acabou de ser capturado. Debatia-se muito e estava começando a se machucar. Tentei me manter firme, descemos a escada bem devagar para não trepidar. Chegando na garagem a coitada começou a miar muito alto, um miado que eu só escutei uma vez quando ela ficou doente por causa de uma pancada que algum estúpido imbecil deu na cabeça dela. Não consegui vê-la daquela forma e tirei o papelão que protegia o buraco. Foi o tempo de tirar e Mel sair correndo para fugir de novo.
Não preciso dizer que o grande dilema ainda persistiu: “como vamos... blá blá blá”.
Meu pai falou que talvez pudéssemos pedir a dose da vacina para os funcionários públicos que cuidavam do posto de vacinação. Achei a melhor opção. Não havia condições de levar aquele animal para fora de casa dentro de qualquer tipo de recipiente que não desse para abrir e ela fugir correndo depois. Porque tentar tirá-la com as mãos era um risco a se correr, só se tivéssemos grossas luvas. Aceitei o conselho do velho. Vesti uma blusa porque estes dias têm feito um frio dos carvalhos. Sai na caminhada até o lugar que ficava uns 300 metros de casa.
Eita coisa feia do caramba, como descrito no começo do texto: tinha cachorro pra dar e vender, acredito que noventa e nove por cento não saia de casa há séculos. Estava um inferno andar pelas ruas, uns querendo te atacar, outros te lamber, uns alucinados presos em corrente nos quintais giravam na orbita do próprio rabo, tantando pegá-lo. Todos acompanhavam o desfile dos cachorros e gatos (em carrinho de feira).
Chegando no local de vacinação, bichos e mais bichos. Uma mulher tentava puxar um baita cachorro que ficou empacado depois de ser vacinado. Um homem de óculos lavava as mãos com álcool e umas mulheres mexiam dentro de uma caixa de isopor. Falei com a primeira que me olhou, expliquei a situação e as implicâncias. Ela olhou com cara de dó e disse que não. Não poderiam dar a vacina de modo algum. Até aí não vi problemas, pois ela deve seguir algumas regras. Tentei convencê-los, mas foram incisivos com relação ao assunto. Um senhor que aplicava a vacina em um cachorro estava ouvindo e se posicionou ao meu lado. Pegou o álcool lavou as mãos protegidas por luvas cirúrgicas e começou a falar baixo, esfregando os dedos e olhando para os lados:
- Escuta menino, você sabe aplicar vacina?
Eu disse que seria uma prima que aplicaria e ela sabia (tudo verdade, ela sabe mesmo).
- Certo. Então espera aqui no cantinho que eu já pego pra você (parecia que ele estava me passando cocaína), depois você deixa um cafezinho aí pra nós.
Olhei para meu moletom de bolso furado e uma blusa que só uso para dormir, definitivamente nunca carregaria nada porque provavelmente eu perderia. E mesmo se eu tivesse alguns centavos, nunca deixaria nada pra ele. Virei e disse mais ou menos o que eu acabei de escrever acima. Virei as costas e fui embora.
Voltei pra casa um tanto quanto puto da cara. E o dilema continuou o mesmo. Foi assim que terminou esta história, agora vou ter que comprar a bendita vacina em algum petshop.
Esta atitude deprimente que este senhor tomou, prefiro nem comentar. Prefiro lembrar de histórias legais como a da Mel, como a do Johny.


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Só quem tem pra saber.


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