terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Análise

(li este texto no "Letras em Cenas" (leituras de peças teatrais que acontece às segundas no auditório do Masp. Acho que vão reiniciar as atividades em abril)

No primeiro minuto de vida conheci a violência e o amor. Os psicólogos me explicaram que eles (os primeiros minutos vividos) foram traumáticos. Estes estudiosos apontaram vários motivos. Dentre eles foi quando tomei consciência das forças naturais que começavam a reger externamente, longe da proteção da placenta de mamãe.
Esta dolorosa descoberta fez com que eu dormisse mais do que ficava acordado. Tornava-se inevitável continuar sonhando quando eu sentia uma dor terrível no estômago que estava independente. Cagar era um sacrifício, nem sabia pra que servia aquilo.

Graças a Deus fui bem tratado, assim pude suportar o impacto. Infelizmente nem todos recebem o carinho afetivo, que é um elemento fundamental para a evolução.
Por mim eu ficaria no estado vegetativo a vida inteira. Mas percebi que não adiantaria. Foi então que comecei a cunhar a consciência exterior. Considerava como Deuses aqueles gigantes que me carregavam por todos os lados. Nesta etapa tentei entender o sentido de coisas simples como me alimentar sozinho, andar ou falar. Inspirado por mestres enormes virei um reflexo de tudo que vi.
Aos poucos outra coisa se revelou: o mundo. Daí, parti para outra atmosfera. Comecei a criar autonomia social. Dependia cada vez menos dos meus ídolos. Venerarei eternamente estes tutores. Não entendo como alguns ingratos que tiveram bases sólidas podem renegar ou sentir-se injustiçados.

Acho que fui um herói por passar por sucessivas quedas e ascensões. Nem todos os seres humanos possuem mentalidade para agüentar tais trancos.
Preferi continuar com aquilo que eu achava ser uma grande brincadeira. Percebi que o estado físico ultrapassava alguns limites e estabelecia algo além da carne que doía quando eu caia. Eu tinha apenas o parâmetro do estado vegetativo existencial. De repente misturou com aquele lugar novo.

Deparei aqui com a assimilação da mente como parte integrante do corpo. Comecei a manuseá-la da forma que desejava. Inventei dois universos paralelos fortalecidos. Confundia o sonho com a ‘realidade’. Os adultos estimulavam os dois e me encorajam a ser assim. De longe foi a melhor fase que já tive. Podia tudo: andava como um louco desvairado dando gritos pela casa, chamando meus avós, minha mãe, ou quem passasse.

Tudo poderia ser perfeito no cosmos de minha infância. Porém, a vida reservou novas surpresas. Desta vez a brincadeira tinha que acabar. Eu devia me comportar como ‘homenzinho’.

Esta foi a dimensão mais confusa. Porque ao mesmo tempo em que me masturbava no banheiro durante horas, tinha medo de arriscar os desejos para o ato físico. Tive que controlar o choque desta nova ordem que se anunciava e optei em abandonar o universo lúdico com pesar no coração. Virei um homem racional, lógico e decidido. O que antes era sono agora virou insônia. Algumas noites por culpas irreparáveis, outras por dores incorrigíveis, outras por preocupações criadas e assim vai. Adoro os prazeres sentidos nesta fase, sou feliz e casado, tenho dois filhos dos quais repassei os ensinamentos que recebi. Se houvesse a oportunidade de sentir o mesmo encanto pela vida que uma criança sente, eu aceitaria, porém, são coisas que não voltam a menos que me torne louco.




4 comentários:

Renata de Aragão Lopes disse...

Gostei do texto!
E me senti,
com ele,
um pouco heroína! : )

Um abraço,
doce de lira

Nydia Bonetti disse...

Que texto incrível, Marcelo! É teu? Muito, muito, bom! Pouca gente consegue escrever assim, com tanta lucidez e com tanto equilíbrio. Gostei demais.

Abraço!

marcelo grejio cajui disse...

Obrigado, Renata. fui ver seu site. repassei pra várias pessoas.

abraço!.

marcelo grejio cajui disse...

Que honra, Nydia. é meu texto sim. fiz inspirado no meu sobrinho de um ano e meio.

abraços.